ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA JURÍDICA NO MINISTÉRIO DA CULTURA

 

 

PARECER nº 290/2023/CONJUR-MINC/CGU/AGU

PROCESSO nº 01400.009589/2005-84

INTERESSADA: Subsecretaria de Gestão de Prestação e Tomada de Contas

ASSUNTO: Convênio. Prestação de contas. Recurso administrativo.

 

EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO. CONVÊNIO.
I - Prestação de contas. Reprovação. Recurso sobre decisão que conclui pela execução parcial de objeto e necessidade de devolução de parcial de recursos.
II - Recomendação de provimento parcial. Reexame dos períodos de mora e critérios de atualização monetária do débito. Não incidência de juros em período não caracterizado como mora da devedora.
IV - Necessidade de reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva e ressarcitória. Inteligência do art. 79, caput e parágrafo único, do Decreto nº 11.453/2023, e Resolução nº 344/2022/TCU.

 

 

Sra. Consultora Jurídica,

 

Retornam a esta Consultoria Jurídica os autos em epígrafe em virtude de recomendação deste própria unidade contida na Nota nº 240/2023/CONJUR-MinC/CGU/AGU (SEI nº 1483829; Sapiens/AGU 1205872), exarada no bojo do Processo nº 000747.000237/2022-81. O processo e a manifestação jurídica em apreço tratam da necessidade de manutenção do Despacho Decisório SE/MinC nº 5/2023 (SEI/MinC 1443346), proferido nos presentes autos, que tornou sem efeito o Despacho Decisório nº 2/2023 (SEI/MinC 1435680), o qual, por sua vez, havia sido proferido com respaldo na Nota nº 220/2023/CONJUR-MinC/CGU/AGU (SEI/MinC 1435713).

Embora a referida nota jurídica (SEI/MinC 1435713) houvesse acatado as conclusões da Nota Técnica nº 2/2023 (SEI/MinC 1192244), reconhecendo a prescrição administrativa da pretensão ressarcitória do débito apurado na execução dos Convênios nº 375/2005 e nº 737/2005, tal decisão precisou ser tornada sem efeito porque foi identificado que a questão encontrava-se sub judice no Mandado de Segurança nº 1075422-12.2022.4.01.3400, objeto do processo administrativo em epígrafe. Em âmbito judicial, foi rejeitada a prescrição em decisão favorável à União, com força executória atestada pela Procuradoria-Regional da União da 1ª Região (doc. SEI/MinC nº 1421762), impedindo qualquer ato administrativo em sentido contrário.

Com o objetivo de sanear o Processo nº 000747.000237/2022-81, esta Consultoria Jurídica manifestou-se na citada Nota nº 240/2023/CONJUR-MinC/CGU/AGU (SEI nº 1483829; Sapiens/AGU 1205872) no sentido de suspender a decisão que reconhecia a prescrição dos débitos de ambos os convênios, uma vez que ambos foram tratados no mesmo despacho decisório. Porém, especificamente com relação ao Convênio nº 737/2005 - objeto do presente processo - entendeu-se oportuno o retorno dos autos para uma reanálise quanto à eventual possibilidade de manter-se o reconhecimento da prescrição, uma vez que objeto do mandado de segurança era restrito ao Convênio nº 375/2005 (Pronac 07-3060, Processo administrativo 01400.017177/2005-18).

Para esta reanálise, portanto, parte-se do pressuposto de que a sentença proferida no Mandado de Segurança nº 1075422-12.2022.4.01.3400, ao rejeitar os pedidos deduzidos pela impetrante, inclusive quanto à questão prescricional, surtiu efeitos apenas sobre o Convênio nº 375/2005 (Pronac nº 07-3060 - Projeto "O Brasil e sua diversidade cultural nos Pontos de Cultura"), objeto daquela ação, conforme o art. 503 do Código de Processo Civil.

No que tange ao Convênio nº 737/2005, objeto do presente processo, verifica-se que o convênio teve vigência de 84 meses e 18 dias entre 27/12/2005 e 15/01/2012, conforme fls. 92-100 e fls. 1172-1177, nos volumes físicos I e VI do processo (SEI/MinC 0466528 e 0466582), sendo que a decisão de reprovação ocorreu apenas em 8/12/2022, por meio de despacho do Secretário de Economia Criativa e Diversidade Cultural do Ministério do Turismo consubstanciado na forma do Laudo nº 1844968/2022/CGMON/SECDC/GSE (doc. SEI/MinC 905735; SEI/MTur 1844968). A decisão de reprovação baseou-se no Parecer Financeiro nº 537/2022/CAFTC/SGFT/GSE/MTur (SEI/MTur 1831399; SEI/MinC 0905733), que concluiu que o objeto correspondente às duas primeiras parcelas do cronograma de desembolso, efetivamente repassadas à convenente, foram parcialmente executadas, gerando a necessidade de devolução parcial dos recursos, no montante nominal de R$ 518.025,75, a ser atualizado monetariamente.

Comunicada da decisão em 14/12/2022 (cf. doc. SEI/MinC 0905737), a entidade apresentou recurso em 26/01/2023 (doc. SEI/MinC 1023465) via peticionamento eletrônico, sob a forma de Exceção, no qual questiona a constituição do procedimento de tomada de contas especial, alegando, em síntese, a prescrição do débito apurado.

Recebido pelo Ministério do Turismo, o recurso foi logo em seguida submetido à Subsecretaria de Gestão de Prestação e Tomada de Contas (SGPTC) do recém recriado Ministério da Cultura, onde foi analisado por meio da Nota Técnica nº 2/2023 (SEI/MinC 1192244), que sugeriu o encaminhamento à Consultoria Jurídica, com indicativo de reconhecimento da prescrição.

No estado atual do processo, em que a decisão que reconhecia a prescrição foi tornada sem efeito e o processo provisoriamente suspenso enquanto se analisava o alcance da decisão judicial proferida no Mandado de Segurança nº 1075422-12.2022.4.01.3400, retornam os autos para reanálise da questão suscitada no recurso pela entidade interessada.

É o relatório. Passo à análise.

Sem adentrar no mérito do cumprimento do objeto pela convenente - que chegou a ser atestado em parecer técnico antes do último parecer financeiro e do laudo final produzido nos autos - é de se reconhecer que a análise financeira, constante do Parecer Financeiro nº 537/2022/CAFTC/SGFT/GSE/MTur (SEI/MTur 1831399; SEI/MinC 0905733) e que serviu de base para a reprovação das contas por inexecução parcial do objeto, não foi impugnada pela recorrente em seu mérito, uma vez que o recurso restringiu-se a apontar a prescrição da pretensão ressarcitória do dano apurado.

Não havendo impugnação dos fatos constatados pela área técnica do ministério responsável pela análise das contas do convênio, reputam-se verdadeiras as conclusões nas quais se fundamentou a decisão de reprovação da contas, devendo ser mantida a decisão de reprovação por inexecução parcial e apuração do débito no valor nominal de R$ 518.025,75, a ser atualizado monetariamente e registrado no SIAFI como inadimplência da convenente.

Com relação à devolução dos recursos, todavia, parece-me não haver mais oportunidade para a cobrança dos valores devidos, devendo ser ratificado o Despacho Decisório nº 2/2023 (SEI/MinC 1435680) estritamente no que se refere ao Convênio nº 737/2005.

Embora a devolução dos recursos não executados no importe de R$ 518.025,75 seja corolário da reprovação da prestação de contas do convênio, verifica-se o decurso de mais de 9 anos entre a última causa interruptiva da prescrição – ocorrida em 26/07/2013 e identificada no § 24 da Nota Técnica nº 2/2023 (SEI/MinC 1192244) – e a causa interruptiva seguinte ocorrida em 23/08/2022 (SEI/MTur 1682859; SEI/MinC 0905723), com o processo já prescrito desde 27/07/2018.

Conforme o art. 79, caput e parágrafo único, do Decreto nº 11.453/2023, é possível à Administração Pública reconhecer de ofício os casos de prescrição de que trata a Lei nº 9.873/1999, inclusive no que tange a pretensões ressarcitórias de danos, em processos relativos a instrumentos de fomento à cultura, seja fomento direto ou indireto, o que abrange as hipóteses de convênios firmados com organizações da sociedade civil sem fins lucrativos, conforme legislação anterior à Lei nº 13.019/2014 aplicável à época da celebração da parceria.

Apesar de se tratar de dívida usualmente reconhecida como imprescritível no âmbito da Administração, a reorientação promovida por meio do Decreto nº 11.453/2023, vem na esteira da reiterada jurisprudência recentemente consolidada no Supremo Tribunal Federal no Tema 899 da Repercussão Geral da Corte, especialmente no Recurso Extraordinário nº 636.886/AL e na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5509. Ademais, trata-se de matéria já regulamentada também no âmbito do TCU por meio da Resolução nº 344/2022.

É relevante notar, ainda, que o caso paradigmático utilizado no julgamento da repercussão geral e resultou no acórdão supracitado consistia justamente em hipótese de dano ao erário decorrente de reprovação em prestação de contas de convênio celebrado no Ministério da Cultura, como registrado na decisão do tribunal que reconheceu a repercussão geral:

1. Trata-se de recurso extraordinário interposto em ação de execução de acórdão do Tribunal de Contas da União. (...)
2. Com razão o Tribunal de origem ao devolver os autos à apreciação desta Corte. Debate-se, neste recurso extraordinário, a prescritibilidade da pretensão de ressarcimento ao erário determinada pelo Tribunal de Contas da União. Consta que Vanda Maria Menezes Barbosa, na qualidade de presidente da Associação Cultural Zumbi, deixou de prestar contas de recursos recebidos do Ministério da Cultura para fins de aplicação no projeto Educar Quilombo. Por essa razão, o TCU, no julgamento de Tomadas de Conta Especial, a condenou a restituir aos cofres públicos os valores recebidos por meio do Convênio 14/88. Instada a cumprir a obrigação, a parte não a adimpliu, o que ensejou a propositura de execução de título executivo extrajudicial pela União.

Portanto, a partir de tal jurisprudência há segurança jurídica para que a administração pública reconheça de ofício a prescrição da pretensão de reparação civil decorrente de quaisquer atos ilícitos, exceto aqueles qualificados como atos dolosos de improbidade administrativa.

Voltando ao caso em exame, conforme disposto no art. 31 da Instrução Normativa nº 1/1997/STN, aplicável ao convênio em exame, o concedente (Ministério da Cultura) dispunha de 60 dias para analisar e julgar a prestação de contas da convenente após a entrega da prestação de contas, de modo que, em não o fazendo, incorre em mora administrativa.

No caso em exame, verifica-se que, após sucessivas prorrogações com o objetivo de viabilizar o pagamento da última parcela do cronograma de desembolso, não foi possível dar continuidade ao convênio devido às pendências identificadas na execução da segunda parcela dos repasses. Assim, a vigência do convênio encerrou-se em 15/01/2012, conforme fls. 1172 e 1177 do volume VI do processo físico (SEI/MinC 0466582), resultando no início do fluxo do prazo prescricional em 15/03/2012, isto é, 60 dias após o término da vigência, na forma do art. 31 da Instrução Normativa nº 1/1997/STN, uma vez que a prestação de contas parcial já se encontrava presente nos autos para análise.

Este prazo prescricional chegou a ser interrompido algumas vezes ao longo de 2012 e 2013, por meio de pareceres da administração, culminando na última interrupção provocada pelo Parecer Técnico às fls. 1449-1552 do volume VIII do processo físico, em 26/07/2013. Após este parecer, nenhum ato inequívoco de apuração dos fatos relacionados à prestação de contas foi adotado pela administração, até 23/08/2022, com o Parecer Financeiro nº 325/2022/CAFTC/CGPC/SGFT/GSE (SEI/MTur 1682859; SEI/MinC 0905723), que fundamentou o ato de reprovação em 8/12/2022, com o Laudo nº 1844968/2022/CGMON/SECDC/GSE (doc. SEI/MinC 905735; SEI/MTur 1844968). A esta altura, todavia, as pretensões punitiva e ressarcitória da administração já se encontravam prescritas desde 27/07/2018, com o transcurso dos cinco anos de que trata o caput do art. 1º da Lei nº 9.873/1999.

A demora de mais de 9 anos no julgamento que resultou na reprovação da prestação de contas da entidade é, pelo que se depreende do fluxo processual registrado nos autos, exclusivamente imputável à Administração, visto que houve não houve atraso na entrega da prestação de contas pela convenente após o término de vigência do convênio, e tampouco há registro de qualquer diligência da administração que não tenha sido atendida tempestivamente pela convenente após o prazo do art. 31 da Instrução Normativa nº 1/1997/STN.

Com relação ao termo inicial do fluxo prescricional, esta Consultoria Jurídica já tem entendimento consolidado no sentido de que não é possível contar o prazo prescricional quinquenal a partir da data de entrega da prestação de contas, mas apenas (i) a partir da data da decisão de reprovação ou aprovação com ressalva que resulte em sanção, ou (ii) a partir do decurso do prazo que a administração tem para tal julgamento, caso a decisão tenha ultrapassado tal período. Afinal, é neste ato de julgamento (ou no momento do prazo limite para sua produção) que a administração potencialmente constitui o beneficiário em mora, apontando uma irregularidade sujeita a sanção, ou um evento danoso sujeito a sanção e ressarcimento. O início do fluxo prescricional antes de tais marcos temporais somente é possível (iii) quando caracterizado ato ilícito (dolo, fraude), identificável em evento específico em momento anterior, podendo render ensejo à contagem do prazo com base na prescrição penal, conforme o caso.

Nos processos de incentivo fiscal (fomento indireto), o prazo legal para que a administração finalize a análise da prestação de contas é de 6 meses, conforme o art. 20 da Lei nº 8.313/1991. No caso de parcerias com organizações da sociedade civil caracterizadas como fomento direto, a Lei nº 13.019/2014 (MROSC) estabelece em seu art. 71 o prazo de 150 dias para julgamento das prestações de contas, contados da data da entrega e cumprimento de eventuais diligências. No caso concreto, porém, por se tratar de convênio anterior ao MROSC, aplica-se-lhe o disposto no art. 31 da Instrução Normativa nº 1/1997/STN, que previa o prazo de 60 dias para conclusão da análise, após o término de vigência do convênio, o que ocorreu em 15/03/2012.

A função do prazo legal, neste caso, é assegurar a razoável duração do processo administrativo. Atingido este prazo, mesmo sem decisão sobre a prestação de contas, inicia o fluxo do prazo prescricional sobre a ação punitiva da administração, conforme reiterados entendimentos desta Consultoria Jurídica, assim como a prescrição da pretensão ressarcitória do dano, conforme o art. 79 do Decreto nº 11.453/2023 e recente orientação jurisprudencial do STF.

No caso em exame, portanto, a data de 15/03/2012 constitui o marco inicial para contagem do prazo prescricional. Ainda que causas interruptivas da prescrição tenham ocorrido conforme apontado, o longo prazo entre os pareceres financeiros de 26/07/2013 e 23/08/2022 não deixa margem de dúvida para caracterização da prescrição, não sendo possível falar em interrupção do prazo após a consumação da prescrição.

Por fim, embora não haja mais oportunidade para quaisquer providências judiciais ou extrajudiciais com o objetivo de elisão do dano, é importante ressaltar também a necessidade de refazer os demonstrativos de débito apresentados nos docs. SEI/MTur 1834071 e 1834097 (docs. SEI/MinC 0905731 e 0905732), tendo em vista a impossibilidade de incidência de juros durante todo o período desde o término da vigência do convênio até o julgamento do presente recurso, uma vez que todo este período caracteriza-se como inércia da administração não imputável à convenente. Para todo o período, para fins de registro, deve incidir apenas atualização monetária sem incidência da taxa SELIC, que embute juros.

Conclusões.

Diante de todo o exposto, recomenda-se que o recurso seja conhecido, tendo em vista sua tempestividade, e deferido no mérito na exata extensão do pedido formulado, isto é, no sentido de reconhecer a prescrição quinquenal da pretensão ressarcitória do débito apurado em prestação de contas. Consequentemente, recomenda-se seja determinado o arquivamento do feito após a retificação do registro do débito atualizado, nos termos do § 26 deste parecer, e notificação da entidade interessada para ciência, sem necessidade de instauração de tomada de contas especial e demais medidas de elisão do dano.

Por fim, ressalto que, em se tratando de decisão já adotada pela autoridade competente no Ministério do Turismo segundo as regras de competência então vigentes, a autoridade competente para julgamento do recurso no Ministério da Cultura, segundo as atuais regras de competência do Decreto nº 11.336/2023, é a Ministra de Estado da Cultura, cabendo porém ao Secretário-Executivo avaliar a decisão recorrida tomada no âmbito do MTur, podendo exercer a prerrogativa de reconsideração sem necessariamente encaminhar o recurso à instância superior.

 

À consideração superior.

 

Brasília, 16 de novembro de 2023.

 

OSIRIS VARGAS PELLANDA

Advogado da União

Coordenador-Geral Jurídico de Políticas Culturais

 


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